Associamos o gênero “literatura de viagens” a grandes movimentações pelo globo, cenas exóticas, distâncias impressionantes. Aqui, vemos uma torção peculiar do gênero: motivado pela leitura de um breve texto de Georges Perec, o escritor argentino Elvio E. Gandolfo escreve sobre as viagens de ônibus que, durante anos, realizou entre Rosário e Buenos Aires. Mesclando o tom de um relato de viagens com o de anotações em diário íntimo, Gandolfo transforma o travelogue em uma exploração meticulosa e delicada das alterações na percepção das paisagens, das estradas, dos encontros e das histórias que transcorrem durante os mais comuns trajetos, nos quais os desvios e recomeços que o texto narra são também constitutivos do modo como, aqui, se narra. Nesse processo, o ordinário se transmuta, revelando uma fisionomia com traços novos e mostrando – ao mesmo tempo para o narrador e para o leitor – que em toda viagem há também um percurso em um “mundo privado”, que a produção recente do autor tem buscado revelar e explorar.